A passarela


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O convite chegou até minha casa. Não era costumeiro eu estar na posição de convidada, afinal sempre estive do lado da produtividade, fotografando e fazendo dos momentos os melhores registros.
O convite era de casamento, mais precisamente o casamento de um grande amigo Marcos. Mas não era um convite comum, afinal era meu grande amigo. Então com o convite vieram noiva e noivo entregarem na minha casa a intimação de ser madrinha.  Não adiantava eu dizer que não, o não nunca seria permitido para eles. Então só me coube começar a guardar dinheiro para um bom presente, um bom vestido e um salto bem grande para estar à altura do meu par. E não era por querer ser fina, mas era altura de ser alto mesmo.
O dia do casamento chegou, e cada detalhe colaborou para ser emocionante. Estar do outro lado da festa era um pouco desconfortável e ao mesmo tempo divertido. Desconfortável por que fotógrafo ao ver outro fotógrafo, fica querendo sempre imaginar como vão ficar as fotos, ou quer estar ali também registrando tudo. Já a parte divertida era poder dançar sem o medo de represarias.
Depois de chorar naquela linda cerimônia, fomos enfim para a pista. Hora em que sem querer esbarrei em um dos fotógrafos. Nunca pedi tanto “perdão” em um só segundo como aquele, afinal eu sabia exatamente o que era levar um cotovelada de convidados na hora da balada. Ele olhou para mim com uma carinha bem “zem” e disse: “_ Imagina, tá tudo bem”.  Uma coisa estanha aconteceu, a luz azul da balada parou com foco em nos dois.
 Olhei para cima onde estava a luz e disse: _ “Acho que é hora de sair, a valsa vai começar”. Rimos juntos e saímos.
Mas deve estar se perguntando, aconteceu algo a mais? O que de tão interessante aconteceu nesse casamento? No real, levemente nada, mas é preciso que se lembre desse casamento para entender a história. E claro vale lembrar que eu não estava apta para olhar outras coisas ou para rapazes. Mesmo que houvesse uns fotógrafos bem interessantes, eu estava compromissada.
Porém um tempo depois voltei ao meu estado normal de vida. Solteira. Como a vida segui, e minha carreira na fotografia não é construída sem fotos, corri atrás de fechar ainda mais clientes para ocupar o tempo espaço vazio da mente.
Até que um dia desses saindo de um atendimento no shopping, esbarrei com um homem bem distraído com o celular. Na verdade, ambos estavam distraídos como celular.
“_ Perdão, desculpa, não te vi”.
“_Desculpa eu, não estava olhando... Ei espera, acho que conheço você. Você costuma esbarrar nas pessoas assim sempre? ”.
“_ Espera, você é o fotografo que eu esbarrei na pista num casamento desses? As pessoas que não olham por onde andam e eu que fico com fama de destrambelhada” (risos).
“_ Sim, sou eu. Prazer Roberto fotógrafo e agora desastrado”.
“_ Prazer, Julia madrinha e fotógrafa desastrada”.
“_ Fotógrafa? Sério? ”.  Afirmei apenas com a cabeça a fim de terminar a conversa por ali. Porém ele insistiu para que tomássemos um café. Não custaria muito, estávamos na frente da entrada do shopping, então aceitei o café pois durante o atendimento não comi nada.
Falamos sobre o casamento, sobre outros casamentos, sobre situações engraçadas que aconteciam em eventos. E sinceramente nunca havia conversado tanto com alguém que tinha visto apenas uma vez em toda minha vida, pelo menos não uma conversa tão agradável, que incluísse inúmeros assuntos e risadas com tanta leveza ao ponto de brincarmos com palavras que somente pessoas já intimas diriam.
Sentados em um sofá bem confortável ele me segurava para não ir embora com a desculpa de carregar o celular “só mais um pouquinho”, mesmo que dentro de mim eu nem quisesse realmente sair dali. Por alguns minutos era estranho, por que parávamos de falar e aquele olhar estanho tomava conta. Até que então o café acabou e precisava ir.
Uma passarela dava acesso até o outro lado onde tomaríamos ônibus cada um para seu lado. Porém eu nunca passava por ela, sempre arriscava minha vida indo pela estrada dos carros. (Não façam isso em casa).
Roberto perguntou se eu tinha medo de assalto ou dele por não querer ir pela passarela e eu simplesmente arqueei minha sobrancelha e disse:
“_Obvio que... É de você”. Me olhando com ar de riso e surpreso pela resposta. Carinhosamente com aquela intimidade na qual me referi acima, disse:
“_Troxa .. Muito bonita para morrer atropelada por um fusca. Vamos? ”.  Subimos ainda conversando sobre a vida. Ainda com um pouco de medo de ser assaltada, pois aquela passarela estava iluminada apenas pelo alto semáforo e pelas lanternas dos carros que passavam por de baixo. Porém como bons fotógrafos que somos, aquela vista nos chamou atenção. E paramos para observar.
“_ Aqui dariam fotos incríveis”. Disse eu. E do nada ele me olha e diz:
“_ Beleza, então pose aí”.
“_ Oi? ” Rindo sem acreditar na loucura, ele insistiu.
“_ É, pose aí que eu vou te fotografar”.
Um pequeno aviso? Nunca dê corda para uma pessoa mais louquinha que você, pois você pode se surpreender. No caso, eu também era maluquinha e comecei a fazer poses Tumblr. Ele com sua câmera imaginaria ia andando pela passarela e “fotografando”. Nos jogamos de cabeça por alguns minutos naquele ensaio imaginário, até que ele disse:
“_Espera, agora estou com uma lente 50 milímetros e quero fazer um retrato”.
“_ Então se for de cinquentinha tem que fazer carão, assim”. (Com rosto leve e encarando a câmera imaginaria, que eram na verdade seus olhos). Ele naquele momento abaixou as mãos com sua “câmera” imaginaria e me beijou. Por alguns minutos tudo parece ter parado, e na minha cabeça uma música de fundo parecia ter se misturado com as buzinas dos carros. “Soldier de James TW”. O que talvez ela teria haver? Não sei, apenas me lembrava da primeira frase dessa música, “Hold your breath, don't look down, keep trying. Darling, it's okay to be scared, it's frightening...”
Foi um beijo arrepiante, envolvente e ótimo. Até ele suspirar e dizer:
“_ Ai merda”. Mas eu não entendi nada, porque ele voltou a me beijar mais uma vez. E com um leve palavrão adicionado ao início da frase ele disse:
“_ Julia, por que não te conheci antes? ”
“_ Ow, ow, espera. Isso é frase de gente...”
“_Comprometida”. Ele completou minha frase.
Enquanto eu tocava meus lábios ainda com o gosto daquele beijo, espantada com tantas emoções ao mesmo tempo dentro de mim, continuei andando. Ele sem entender minha reação, veio correndo e disse:
“_Você está bem, não vai me dizer nada? ” Eu não sabia o que dizer, apenas vinha na minha mente o quão babaca ele era, mas que ao mesmo tempo nunca tinha vivido nada parecido. Sim, nada parecido. Apenas um dia e nada parecido com isso. E foi assim o caminho inteiro até o ônibus, silêncio.
Meu ônibus foi o sétimo a passar, então dei o sinal e me despedi dele com o último beijo e acompanhado com uma única frase:
“_ Não esbarre mais em mim”.
Anos se passaram e eu nunca mais revi Roberto. E todas vezes que passei por aquela passarela ou tomava um café me lembrava de tudo. E mesmo quando eu queria burlar passando pela estrada, como hoje, me vinha a mente aquela frase, “Muito bonita para morrer atropelada por um fusca”. E com meu café na mão resolvi subi pela passarela mais uma vez.
A vista parecia se renovar toda vez que passava nela, mas especialmente hoje o céu estava começando a dar espaço para a escuridão da noite. Parei para observar aquela vista ao fim dos últimos goles de café, me reclinei no muro da passarela e disse para mim mesma:
“_ Preciso parar de tomar café”. Me afastei sem olhar e esbarrei em um homem distraído e sem querer o resto de café caiu nele e derrubou o celular de sua mão no chão. Me abaixei rápido para pegar o celular dele e disse:
“_ Meu Deus me desculpe”.
“_ Sempre desastrada a Madrinha”. Assustada levantei a cabeça.
“_ Ah Marcos, é você”.
“_ Esperava por alguém amiga? ”
“_Não, não. Mas você esperdiçou meu café”.  

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