Analisando o Amor



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Saindo com minha mochila a caminho de mais um dia de estágio. Iria me formar em psicologia para entender um pouco do universo humano e ajuda-los a se entender. Dessa vez minha ponte era um asilo. Pensei duas extremidades preconceituosas, uma de que seria tedioso, duas, seria sofrido.
Afinal são senhores abandonados por suas famílias, ou com problemas de saúde, mas como psicólogo era um ótimo lugar de avaliações. Agora, se minha sorte estivesse em dia, no mínimo conversaria com algum senhorzinho simpático.
Completo engano meu. Ao chegar na coordenação, uma enfermeira chata me disse com quem eu deveria conversar.
“_Dona Dulce do quarto 210”.
Mal olhou no meu rosto, nem para fazer um check-in e ver que sou um gato. Para isso fiz psicologia? Para entender o ser humano? Mulher se encaixa nisso? Descobri que seria mais difícil do que pensei.
“_Com licença, Dona Dulce? ”.
“_Dona de que meu filho? Por acaso essa mansão está no meu nome?” Disse Dona Dulce rindo com pouca força.
Minha sorte estava começando a melhorar. Uma senhorinha simpática abordo, resolvi entrar no seu jogo e disse:
“_Se estiver em seu nome, prazer Carlos seu filho.”
Junto com sua gargalhada magnifica, uma tosse fraca de quem não estava tão forte. Me sentei ao lado da sua cama e ela começou a dizer.
“_Quem dera me tivessem dado herdeiros querido. O máximo que me deram foram muitos orgasmos.”  Contive o riso e percebi que ela tinha muita alegria, porém da minha forma analítica, percebi um grande vazio que ela preenchia com seu riso.
“_ Então a senhora foi muito feliz Dona... Opa Dulce.”
“_ É querido... Carlos? Isso?”
“_Sim, Carlos.”
“_ Felicidade de 3 minutos ou de umas horas, mas felicidade.”
Como eu estava ali para ajudar, comecei sutilmente com algumas perguntas.
“_Você queria filhos Dulce?”
“_Não sei se filhos meu querido, mas que eu queria um amor para me dar a mão quando eu partisse dessa para melhor, ah eu queria.”.
“_ Dona Dulce, mas a senhora não me disse que teve grandes orgasmos, algum deles deve ter sido de um amor, não?”
“_Espertinho você, Caique”.
“Carlos, Dona Dulce.”
“_ Me chama de Dona, então posso te chamar de Caique.”
Sorri para ela porque achei lindo como ela ainda sabia se esquivar das perguntas que a perseguiam. E acabamos de nos conhecer, como ela me contaria algo intimo sem saber nada de mim. Hora de usar da estratégia.
“_Tudo bem Dulce. Acho que me pareço com a senhora. Tive muitos prazeres e nenhum amor. Ninguém que roubasse meu coração a ponto de me fazer ficar com uma só. “
“_ Mas eu nunca disse isso. Ou disse? Estou velha filho, falo muitas coisas.”
Então fomos interrompidos por aquela enfermeira chata e aqui para nós, era linda. Olhos castanhos, baixinha, cintura perfeita, cabelos curtos e amarrados no alto com o resto dos fios que não se prendiam soltos na nuca.
“_Seu remédio Dulce. Como se sente hoje?”
“_Melhor minha filha”. Saiu rápido depois de beijar Dona Dulce na testa. Achei aquele gesto lindo, nem toda cuidadora cuida tão intensamente assim.
Indiscretamente, acabei acompanhando a moça com os olhos, e tomei um susto com Dona Dulce dizendo:
“_Muito interessante. Era muito interessante como andávamos juntos, um jeito descontraído, onde muitos diziam que nem parecíamos um casal. Já outros diziam “Nossa, como vocês têm uma sintonia bonita, um casal perfeito”.  As pessoas são muito confusas então eu me apeguei ao que sentíamos juntos, ou ao que eu sentia. Acho que agora eu quem foi confusa, ne?”
“_ O remédio já desceu Dulce?” Brincávamos com uma intimidade que parecia ser anos de terapia.”
“_ Me lembro como se fosse hoje, aquela noite. Cansados de um dia longo de trabalho e tudo que precisávamos era de um bom banho. Não pensávamos em mais nada, afinal estávamos exaustos. Mas mesmo com todo cansaço, ele ainda me deixou em casa e entrou comigo. Eu era grandinha, até morava sozinha, independente, mas que morria de medo de entrar sozinha em casa depois de deixa-la.”
Alguém bateu na porta e disse:
“_Hora de descansar Dona Dulce”.  Muito brava, mas com um olhar pidão, ela pede:
“_Filha, me dê mais uma horinha.”
E não é que ela convenceu aquela enfermeira chata e linda a nos dar mais uma hora.
“_Venha cá, sente-se conosco. Vou contar a parte que você nunca ouviu.”
“_Dulce, Dulce... Só o garoto que nunca ouviu sua história. Mas vamos lá.” Toda empoderada e meio fechada ela se sentou do outro lado da cama, à minha frente e perguntou:
“_Onde paramos?”
“_Como eu dizia, meu querido. Estávamos cansados. Perguntei à ele se queria tomar banho lá, mas ele disse que não trouxe roupa, então se sentou para descansar as pernas. Liguei a televisão e fui banhar, o deixando lá sentado.”
“_Que frouxo Dona Dulce , nem acompanhou a senhora, vestisse a mesma cueca.”
“_Homens, escrotos eternamente. ” Disse a chata revirando os olhos para mim.
“_ Precisa de terapia para liberar um pouco desse seu ódio moça que nem seu o nome.”
“_Vão me deixa continuar ou querem se beijar agora?” Disse Dona Dulce.
“_Nada discreta a senhora. Essa ai nem reparou no meu cabelo bem arrumado.”
“_Faz seu trabalho e ouve garoto.” Dulce balançando a cabeça como se dissesse algo para nós com aquele sorrisinho de canto, mas continuou a história.
“_Tomei meu banho, me vesti com meu pijama cinza e sentei ao seu lado. Percebi uma tenção muito grande de cansaço e ofereci uma massagem. Sem negar lógico, subi no encosto do sofá e encaixei minhas pernas por detrás dele.”
“_Que boazinha a senhora, cansada ainda fez massagem. “ Eu disse para que ela não perdesse o interesse de nos contar a história.
“_Nunca me importei com cansaço meu querido, era amor. Não sei o que comecei a sentir, mas uma energia tão boa e forte começou a passar da minha mão em sua pele. Então com mais leveza eu passava minhas mãos por suas costas por dentro da camiseta.”
Dona Dulce entrava na própria lembrança, pois ao falar olhava para suas mãos, e levava até seu coração. A deixei continuar sem perguntar nada.
“_Me inclinei até seu pescoço e ainda sentia o perfume da sua pele. Massageando seus ombros, escorria minhas mãos sobre sua pele branca, quase sem cor, como se cada veia alta de seus braços fossem um caminho para nossos desejos. Beijava seu pescoço, passava meus lábios pelo canto de sua orelha, descia minhas mãos até aquela barriguinha dos deuses. O envolvi sem nem saber como ou porque estava fazendo aquilo, apenas sentimos juntos uma energia de pele, um poder que nunca pensei ter.
Poder que fez seu cansaço sumir... Sumir ao ponto de tirar a camiseta, se virar para mim e me encaixou em seu colo me levando para o chuveiro do jeito que eu estava, Quanta força tinha em seus braços.
Me colocou na parede do box de vidro, enquanto ele abria o chuveiro eu com minhas mãos o ajudei a tirar o resto roupa. E quando eu jurava estar no controle de tudo, ele me levantou de onde eu começava a chegar e me virou de costas, envolveu sua mão sobre meus cabelos, não tão grandes na época, maior do que estão hoje com certeza. Parece que sinto aquela água quente como nós escorrendo pelo meu corpo. ”
“_ Dulce minha querida, sua uma horinha se foram.”
Ignoramos a enfermeira gata e perguntei:
“_ Esse foi seu grande amor Dulce?” Com o olhar distante e começando a brilhar de choro ela diz:
“_ Grande amor meu filho, grande, bem grande. Mas grande só para mim. Infelizmente depois de meses ele me disse adeus e nunca mais apareceu. Na mesma semana estava com outra mulher.”
Uma lagrima escorreu sobre seu rosto e eu percebi o quanto Dona Dulce ainda desejava que aquele amor tivesse acontecido. E eu querendo muito dizer para ela como aquele cara foi sujo, mas comecei a me sentir mais parecido com ele do que gostaria de ser. Pois diversas vezes eu fui embora da vida de alguém sem me importar com o que a outra pessoa sentiria.
“_Me pegue um copo d’agua minha filha.”
“_Quer descansar Dona Dulce?”. Apenas com a cabeça ela me fez sinal de que não, então continuou dizendo:
“_ Eu sofri meu filho. Resolvi nunca mais amar, pelo menos eu fiz de tudo para que isso nunca mais acontecesse. Vivia de apenas uma noite, duas no máximo. Se pedisse a terceira eu mandava jogar na loteria e me procurar quando ganhasse.
Era uma tolice porque por onde eu passava tudo o que eu queria era que fosse seu corpo, sua respiração. Mesmo tendo muito prazer, nunca era ele, sua energia, sua pele. Um dia me lembro de achar alguém que tivesse a mesma sensibilidade na barriguinha. Inútil, por que em mais nada se pareciam. No fim de tanta gente, já não me lembrava dos nomes de nenhum, o tempo me fazia esquecer quem eu beijei a semana passada. Mas eu me lembraria se fosse aquele toque, só de sentir suas mãos. “
Minha sorte é que Dona Dulce pegou em um sono profundo rapidamente, o remédio calmante fez efeito na hora certa, pois uma lágrima escorreu dos meus olhos também. Fazendo sinal com as mãos para sairmos a enfermeira chata se levantou, abriu a porta e saímos.
“_Dona Dulce está perdendo a memória, infelizmente amanhã ela não se lembrará que te contou essa história Carlos, e como seu acompanhamento é com ela, vai ouvir essa história até acabar seu estágio aqui.”.
Muito pensativo e triste com aquela história, peguei tudo para voltar para casa. Indo embora ouço alguém chamar meu nome.
“_Carlos, Dora, meu nome é Dora”. É, ela conseguiu com um nome me fazer sorrir. Balancei a cabeça para que ela entendesse que eu guardaria seu nome na mente e fui embora.
Ouvir aquela história me fez pensar sobre meu jeito de agir, e entender que ao mesmo tempo que ajudo seria ajudado. Mas eu precisava relaxar um pouco, me sentei na primeira lanchonete que encontrei para beber um suco. Em minhas anotações um ponto de interrogação enorme me cercava, pois eu queria ajudar Dona Dulce de alguma forma.
De cabeça baixa inconformado, vi uma sobra de roupa branca passando e quando olhei era Dora. Nunca gritei alguém na minha vida na rua, e ela me fez chamar seu nome alto. A convidei para comer alguma coisa comigo ali, conversamos por horas e comecei a entender o porquê de tanto se fechar com homens. Uma leve decepção se uniu com a fúria da repetida história de Dona Dulce.
Sem sentir a hora passar, a acompanhei até sua casa que era logo ao lado, e voltei para ir de ônibus até o estacionamento onde meu carro estava. Me surpreendi comigo mesmo, de não tentar nada com Dora, porque ela era linda e eu não era de ferro, mas era diferente. No caminho do ônibus um senhor até bonitão se sentou ao meu lado, e enquanto mexia em seu dedo como se tocasse em uma aliança, percebi que ali tinha uma tatuagem escrita “Doce”. Curioso ou analista como sou, disse:
“_Tatuagem interessante a sua.” Como se voltasse para terra ele respondeu initerruptamente.
“_ Sim meu jovem. Doce, ela era doce, mas a deixei ir por capricho.”
Estava perturbado com história de Dulce e já comecei a pensar besteiras, mas todo mundo um dia já sofreu por amor, então era genérico demais para associar, sem contar que eu nem sabia o nome do amor de Dona Dulce.
Até que meu telefone tocou, pedi licença ao senhor para atender. E uma chamada muito triste me cobriu o momento. Dora me pedia para que eu voltasse ao asilo com ela, pois Dona Dulce estava com uma dor grande no coração e não parava de chorar, chamando meu nome e pedindo que eu trouxesse alguém chamado Abraão até ela.
“_ Dora, mas que Abraão? Eu nem sei de quem ela está falando, ela não me disse de nenhum Abraão.”

“_Espere... Dulce?” . Tocando no meu ombro aquele senhor me olhou nos olhos com o mesmo olhar que Dona Dulce me olhou ao se lembrar do seu amor, e chorar. Comigo mesmo eu disse, “não é possível.”
Não pensei duas vezes, descemos do ônibus, atravessamos a rua sem olhar para os lados direito e acenei para um táxi. Ao chegar lá Dona Dulce já estava sedada e Dora correu na minha direção, deitou no meu peito e só sabia chorar. Enquanto isso o senhor abria um pouco mais a porta do quarto de Dulce, com medo e respirando fundo. Chorando, se sentou ao lado de Dulce, pegou em suas mãos e disse:
“_ Dulce? Consegue me ouvir?”
Mexendo sua mão levemente embaixo da dele ouvimos, ela diz baixinho:
“_ Posso me esquecer do que for, mas nunca de seu toque.”
Segurei para não chorar na frente deles, pois infelizmente Dona Dulce não teve mais força para acordar e faleceu. Como ela queria, partiu para outro lugar segurando a mão do seu amor. Abraão ficou ao lado dela a noite toda, triste, levantou seu olhar na minha direção e disse:
“_ Faça o que for preciso, tente e tente de novo, antes de desistir. Não dá para desistir de amar apenas porque não deu certo hoje. Mas não deixe que o amor escape por seus dedos por encantos da carne.”
Sai correndo pelo asilo procurando por Dora, até que a encontrei na coordenação. Assustada e ainda um pouco triste me perguntou o que tinha acontecido. Eu a beijei com todo meu coração e graças ao bom pai dos beijos ela me correspondeu. Me chamou de maluco depois do beijo, mas me correspondeu. Com aquele mesmo sorriso de quando me disse seu nome.
Depois de me formar, nos casamos e juntos compramos aquele asilo que dona Dulce chamava de mansão, mudamos seu nome para Mansão Dona Dulce, pois queríamos que ela se eternizasse em nós de alguma forma. Hoje cuidamos do senhor Abraão no quarto 210, e ouvimos aquela mesma história do chuveiro contada para todos os aprendizes da psicologia.
“_ Ei Carlos, larga esse computador e vem tomar banho.”

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